quarta-feira, março 18, 2009

Novas revelações sobre os vikings

Johnni Langer

Os guerreiros mais famosos da Idade Média foram os habitantes da Escandinávia, conhecidos atualmente como vikings. Inúmeras canções, romances e filmes celebram seus feitos. Mas apesar dessa grande fama, a sua verdadeira cultura esconde-se atrás de muitas falsas idéias, de interpretações errôneas da História – os estereótipos.
O mais conhecido dos estereótipos relacionados aos vikings, mas também atribuídos a outros bárbaros (como celtas e saxões), são os capacetes com chifres laterais. Sabemos hoje pelos recentes estudos arqueológicos que os verdadeiros elmos de batalha de todos os povos da Europa pré-cristã e da Idade Média eram cônicos ou esféricos, lisos e sem nenhuma protuberância. Até mesmo aquelas asas no capacete do personagem de quadrinhos Asterix são fantasiosas. Mas e como surgiram essas imagens equivocadas? Segundo nossas pesquisas, elas ocorreram em primeiro lugar na Inglaterra em 1830, espalhando-se depois com as manifestações artísticas da França e Alemanha (LANGER, 2002, p. 6-9). Neste último país, após a exibição da ópera O anel dos Nibelungos, de Richard Wagner (1870), o estereótipo tanto dos chifres quanto das asas foi tradicionalmente representado na pintura, escultura e literatura. Acreditava-se que os adornos córneos simbolizariam o poder guerreiro, o poder masculino dessas antigas culturas. (1) Somente no século XX é que a cultura erudita começou a associar essa imagem com maridos enganados pelas esposas... Logo veio o cinema e as histórias em quadrinhos, que trataram de popularizar ao máximo o estereótipo dos elmos cornudos. Mesmo hoje em dia, podemos encontrá-lo em alguns manuais de ensino de História, ou sendo utilizados por alguns torcedores suecos em época de copa do mundo. Mas o empenho de muitos pesquisadores tenta destruir essa imagem equivocada.
Outro famoso estereótipo associado aos nórdicos e bárbaros medievais, é a suposta utilização do crânio dos inimigos como copo para bebidas! Na realidade, esse estereótipo foi inventado muito antes do surgimento dos vikings. (2) No século V depois de Cristo, a Europa sofria os ataques dos hunos, temidos guerreiros da Mongólia. Um cronista gótico desse período chamado Jordanis, acreditava que os hunos não eram humanos, mas seres bestiais que devoravam crianças e cometiam terríveis atrocidades. Ele foi um dos primeiros que descreveu essa prática cruenta: matar, decapitar e transformar as cabeças em recipientes para bebidas (BEHREND; SCHMITZ, 1994). Claro que foi apenas uma fantasia, pois inventar atrocidades e misticismos sobre os inimigos é um dos mais antigos ardis políticos. Como os vikings também não eram bem vistos na Idade Média por atacarem mosteiros e templos cristãos, nada mais óbvio que compará-los com seres demoníacos. Precisavam ser rebaixados a um nível de crueldade sem igual. Imediatamente surgiram representações de grandes banquetes e festas, nos qual os guerreiros escandinavos utilizariam o horrendo receptáculo para bebidas. Mesmo em nossos dias esse estereótipo ainda persiste, a exemplo da cena inicial do filme Escorpião Rei.
O terceiro estereótipo é relacionado com as vestimentas dos vikings. Grande parte das obras artísticas do século XIX e de muitos filmes posteriores, representaram os bárbaros vestindo roupas feitas de pele de animais. Algumas cenas, inclusive, idealizavam os nórdicos mais como homens pré-históricos do que guerreiros medievais, como a ilustração Chegada dos Normandos à França, de Guizot (1879). Verdadeiros trogloditas cobertos com couro, alguns portando até clavas e porretes. Sabemos hoje que a maioria dos povos bárbaros não eram tão bárbaros assim. Aliás, esse termo originalmente designava os povos que não falavam grego, depois latim e finalmente, os que não professavam o cristianismo. Praticamente todos os bárbaros da Europa elaboravam suas roupas por meio da tecelagem de origem animal. Os vikings fabricavam roupas a partir da lã de carneiros e ovelhas criados em fazendas. Primeiramente a lã era lavada, depois fiada, tecida e tingida. A qualidade era tão boa que muitas vezes chegou a ser exportada. Os vestidos das mulheres eram muito sofisticados, decorados com excepcionais broches e fivelas de metal (GRAHAM-CAMPBELL, 2001, p. 120-121).
E porque representar os bárbaros vestindo peles de animais? Uma maneira eficiente de criticar outra cultura é compará-la ao máximo com criaturas “inferiores”. Se sou membro de um povo dito civilizado, que segue regras de conduta de inspiração divina ou religiosa, então estou muito distante da esfera bestial. Trajando peles pesadas, morando em cavernas ou casas mal elaboradas, os vikings seriam humanos mais próximos dos animais do que das civilizações cristãs. É óbvio que o imaginário religioso vai associar aos povos pagãos (que não seguem a Bíblia), toda uma série de atitudes vistas como pecaminosas ou incorretas para uma sociedade considerada “civilizada”: incesto, canibalismo, sacrifícios de crianças. Então, se os vikings são pagãos, necessariamente fazem tudo isso e é claro, vestem roupas grosseiras!
Outra imagem tipicamente associada aos antigos nórdicos são seus hábitos alimentares: comeriam somente carne crua, a qual arrancariam com os dentes. Mais uma vez, representações fantasiosas procurando caracterizar os vikings como criaturas animalescas e brutais. Mas a arqueologia moderna já descobriu muitos utensílios de cozinha, como cuias de madeira, tonéis, cestas de vime, panelas e todos os tipos de recipientes de cerâmica, demonstrando um sofisticado padrão de cozimento e preparo dos alimentos na cultura nórdica (HAYWOOD, 2000. p. 73-74).
Mas os bárbaros teriam sido assim tão cruéis? É óbvio que os vikings fizeram pilhagens, saques e massacres em diversas cidades européias. Mas nem todos os escandinavos eram piratas. Alguns foram mercenários, comerciantes, aventureiros e colonizadores pacíficos, outros dedicaram-se somente à agricultura. No mundo nórdico, um guerreiro era tão respeitado quanto um poeta. E o tema da violência na História é algo que deve ser sempre visto com relatividade. Mesmo os povos cristãos da Idade Média cometerem atos que hoje consideramos terríveis, a exemplo das Cruzadas no Oriente Médio, o uso da Inquisição pela Igreja ou as guerras religiosas. Para os árabes, os bárbaros eram os europeus que participavam das Cruzadas, pelos atos horripilantes que executaram perante as populações orientais (THOMSON, Oliver. 2002).
Uma característica que desmente a fama de crueldade extrema dos vikings é a sua índole para o humor. Apelidos era muito comuns, mas alguns enfatizavam traços opostos à realidade física da pessoa, como Thorald o magro, que na realidade era bem gordo, ou Harald o loiro, para um homem com cabelo escuro. A morte era um momento para celebração e alegria, bem ao contrário do que nossa civilização preconiza. Mesmo quando um homem era condenado à morte, o sorriso o acompanhava até o cadafalso (BRØNDSTED, [s.d.], p. 209).
E o último dos estereótipos é relacionado a uma suposta força sobre-humana dos escandinavos – pois estes, mesmo para o imaginário popular contemporâneo, teriam sido homens gigantescos e com grande estrutura muscular. Vários filmes enfatizam erroneamente que a espada viking não poderia ser manejada por outros guerreiros, devido ao seu enorme peso. É certo que o equipamento nórdico não era mais sofisticado que o da Europa medieval, e o que causou impacto foram mais as técnicas de guerra adotadas: ataques relâmpagos e utilização de machados e espadas para serem manejadas por somente uma das mãos. Quanto à constituição física, o exame de esqueletos determinou que o tamanho médio dos dinamarqueses, noruegueses e islandeses era de 1,70 metros – uma altura igual ao dos outros europeus. Somente os suecos tinham um tamanho mais elevado. O que ocasionou maior diferença no momento das batalhas foi a saúde muito superior dos escandinavos em relação ao restante do continente, devido à uma alimentação mais equilibrada e rica em proteínas (GRAHAM-CAMPBELL, James, 1997. p. 72)
Novos estudos historiográficos e descobertas arqueológicas estão revelando muitos detalhes sobre o modo de vida, o pensamento e a riqueza cultural dos vikings. Ela contribuirão para que desapareçam os diversos estereótipos que foram elaborados desde o momento em que os nórdicos surgiram perante o Ocidente e definitivamente deixaram suas marcas, imaginárias e reais.


Notas

(1) Para outras análises sobre esterótipos dos vikings ver: WAWN, Andrew. The Vikings and the Victorians: inventing the Old North in 19TH-Century Britain. Cambridge: D.S. Brewer, 2002; BOYER, Régis. Le mythe Viking dans les lettres françaises. Paris: Editions du Porte-Glaive, 1986.

(2) Para o arqueólogo Holger Arbman, esse estereótipo teria surgido durante um erro de tradução do Setecentos: “resultado de uma tradução errada do século XVIII em que se apresenta a expressão ‘caveiras dos seus inimigos’ em vez de ‘copos feitos de cornos’”. ARBMAN, Holger. Os Vikings. Lisboa: Editorial Verbo, 1969. p. 14.


Referências

ARBMAN, Holger. Os Vikings. Lisboa: Editorial Verbo, 1969.

BEHREND, Jens-Peter; SCHMITZ, Eike (Dir.). Attila the hun: king of the barbarians. Berlin: Atlantis Film. ZDF/The Discovery Channel Europe, 1994. VHS, 45 min.

BOYER, Régis. Le mythe Viking dans les lettres françaises. Paris: Editions du Porte-Glaive, 1986.

BRØNDSTED, Johannes. Os Vikings: história de uma fascinante civilização. São Paulo: Hemus, [s.d.].


EDWARDS, Mike. Citas da Sibéria: mestres do ouro. National Geographic, ano 4, n. 38, junho 2003.

GRAHAM-CAMPBELL, James. Os viquingues: origens da cultura escandinava. Madrid: Del Prado, 1997. v.1.

GRAHAM-CAMPBELL, James (Org.) Weaving & cloth designs. In: ______. The Viking World. London: Frances Lincoln, 2001.

HAYWOOD, John. Food and drink. In: ______. Encyclopaedia of the Viking Age. London: Thames and Hudson, 2000.

LANGER, Johnni. The origins of the imaginary Viking. Viking Heritage Magazine, Centre for Baltic Studies (Gotland, Suécia), n. 4, 2002.

THOMSON, Oliver. A assustadora história da maldade. São Paulo: Ediouro, 2002

WAWN, Andrew. The Vikings and the Victorians: inventing the Old North in 19TH-Century Britain. Cambridge: D.S. Brewer, 2002.



Kostr: o casamento viking

Johnni Langer

O casamento na Era Viking era essencialmente um contrato entre duas famílias. Segundo o historiador Jesse Byock, o kostr (“casamento”) solidificava alianças grupais (vinfengi), evitava disputas e as temidas vinganças de sangue.
O casamento de uma mulher solteira no mundo nórdico era obtido pela negociação entre as duas famílias – a do futuro esposo e a do pai ou guardião da mulher. O kostr era organizado em duas etapas: o noivado e o matrimônio (brullaup). A iniciativa partia do noivo ou de seu pai, que realizava a proposta para o pai ou guardião da noiva. Se este último ficasse satisfeito, o pretendente prometia pagar um preço pela noiva (mundr). Na Islândia, o preço mínimo seria 8 onças de prata (1 onça: 28,349 g), na Noruega 12. Em troca, o pai da noiva prometia levar o dote (heimanfylgja) após o matrimônio.
Tanto o pagamento pela noiva quanto o dote eram incorporados ao patrimônio da mulher. Os dois homens (o noivo e o guardião) apertavam as mãos em frente a duas testemunhas e marcavam a data para a celebração do matrimônio. O consentimento da mulher poderia ser consultado, mas geralmente isso não era necessário. Viúvas tinham mais liberdade e respeito que as mulheres solteiras. Mas nem a idade nem a falta de virgindade eram empecilhos para o casamento.
O matrimônio tomava a forma de uma festa, usualmente na casa da família da noiva. A união era considerada judicialmente legal quando o casal tinha sido visto junto por pelo menos seis testemunhas. O vestido da noiva era preparado por jovens adolescentes de várias famílias, compreendendo bordados e detalhes vistosos. A noiva também usava uma coroa, geralmente de flores, adereços de prata, cristais de rocha e bronze. Anéis de ouro também eram de uso comum. Seis meses antes da festa, preparavam-se bebidas, entre elas o mjoðr (“hidromel”), advindo o termo “lua de mel” para o período após a celebração.
Na cerimônia, eram comuns os rituais utilizando espadas ancestrais, com o noivo recitando sua linhagem e a sabedoria do clã. Entre os karls/bóndis (fazendeiros), era comum a utilização do mjöllnir, o martelo de Þórr, para prover a fertilidade da noiva. O dia mais requisitado para a celebração era a sexta-feira, o dia de Frigg (“a bem amada”) – a esposa de Óðinn, guardiã do lar, protetora da gravidez/maternidade e dos casamentos.


Referências

BYOCK, Jesse. Viking Age Iceland. London: Penguin books, 2000. p. 132-135, 214-218.

BRØNDSTED, Johannes. Os Vikings. São Paulo: Hemus, [s.d.], p. 281-285.

GIBSON, Michael. Os Vikings. São Paulo: Melhoramentos, 1990. p. 42-43.

HAYWOOD, John. Encyclopaedia of the Viking Age . London: Thames and Hudson, 2000, p. 175-176, 210-211.

MARRIAGE. chapter XLIV. In: Viking Troth. Disponível em:
www.thetroth.org/resources/ourtroth/weding.html

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